Embora não seja mais formalmente um pesquisador do LSI - POLI - USP, ainda estou cadastrado em uma lista de e-mails, que obviamente deveria ser utilizada para discussões acadêmicas (estranho o fato de, quase sempre, ela funcionar como classificados de imóveis ou bugigangas diversas (algo que a lista do IME também é bem eficaz)).
Eis que, em uma bela manhã, recebo um e-mail de um pós-graduando (que prefiro não citar o nome) sobre uma educadora história sobre, uhm, ciência, que vou reproduzir a seguir:
Certa vez, na França, um senhor de 70 anos viajava de trem, e ao seu lado, um jovem universitário lia o um livro de ciências.
O senhor, por sua vez, lia um livro de capa preta, que o jovem percebera tratar-se da Bíblia, aberta no Evangelho segundo Marcos. Sem muita cerimônia, o jovem interrompeu a leitura do velho e perguntou:
- O senhor ainda acredita neste livro cheio de fábulas e crendices?
- Sim, mas não é um livro de crendices. É a Palavra de Deus. Estou errado?
- Mas é claro que está! Creio que o senhor deveria estudar a História Universal. Veria que a Revolução Francesa, ocorrida há 100 anos, mostrou a miopia da religião. Somente pessoas sem cultura ainda crêem que Deus tenha criado o mundo em seis dias. O senhor deveria conhecer um pouco mais sobre o que os nossos cientistas pensam e dizem sobre tudo isso.
- É mesmo? E o que pensam e dizem os nossos cientistas sobre a Bíblia?
- Bem, respondeu o universitário, como vou descer na próxima estação, falta-me tempo agora, mas deixe seu cartão que eu lhe enviarei material sobre o assunto pelo correio, com a máxima urgência. O velho então, cuidadosamente, abriu o bolso interno do paletó e deu o seu cartão ao universitário.
Quando o jovem leu o cartão, ficou pálido e saiu cabisbaixo de vergonha.
No cartão estava escrito: Professor Doutor Louis Pasteur -Diretor Geral do Instituto de Pesquisas Científicas da Universidade Nacional da França.
(O fato acima, descrito na biografia de Pasteur, teria ocorrido em 1892)
Resultado, o ocorrido conseguiu estragar minha linda manhã, que estava sendo muito produtiva com um estudo atento de análise de algoritmos... Me senti extremamente agredido pelo e-mail do colega, por vários motivos:
1) a lista de e-mails do laboratório não deveria ser utilizada para expressar opiniões pessoais não relacionadas à pesquisa em si, muito menos uma opinião de cunho religioso e doutrinador;
2) o colega não ter a mínima idéia de que, talvez, as outras pessoas da lista não estejam nem um pouco interessadas em receber e-mails doutrinadores...
3) o fato de uma pessoa que, a princípio, tem um estudo científico com certeza acima da média (sim, ainda acredito que a POLI seja um lugar de pessoas com intelecto acima da média) e está gastando tempo de sua idade adulta com a pesquisa, não seja capaz de usar o seu raciocínio lógico e todas as evidências que a humanidade já coletou para descobrir (citando Dawkins) quão improvável é a existência de uma entidade superior (seja deus, Jesus, Baal, Apólo, ou o simpático Bezerro de Ouro).
E pior de tudo, nessa @#*&#$ de mundo você é obrigado a "respeitar" as opiniões religiosas de outras pessoas, como se não fosse uma ignorância completa como acreditar piamente que bules possam voar (se bem que aposto que algum coreano já pensou em fazer um bule voador com acesso à Internet)...
Pois bem, para não criar uma elevação de ânimos desnecessária, resolvi responder comedidamente ao e-mail (mesmo sabendo que as pessoas que já tinham lido o primeiro e-mail tralvez não quisessem ler um segundo sobre o assunto). Citei na resposta algumas frases com pitadas de ateísmo do nosso grande modelo de fotos descabelado e judeu (por nascimento, não por opção (não que os nazistas se importassem)), Albert Einsten.
Feliz pela saudável discussão, e esperando que o assunto acabasse por aí, me voltei aos estudos de algoritimos, afinal, eu precisa descobrir com encontrar o i-ésimo elemento de um vetor com um consumo de tempo O(n)...
Eis que a resposta volta rapidamente, e acompanhada!!! Mais uma vez, ao cutucarmos a religião, paladinos correm à sua defesa (talvez para garantir um lugarzinho do lado do Bezerro de Ouro la no céu). O caro colega pós-graduando, conseguiu encontrar algumas frases de Einsten que citavam deus (sim, escrevo com minúsculo, afinal a gramática é mutante e se deus quiser que eu escreva com maiúsculo, que arrange um nome como fez seu filho) e, em um brilhante raciocínio lógico, digno de uma planária dividida ao meio, deduziu que Einsten era um fiel, assim como Pasteur, e que era eu, ateu ignorante, que estava enganado.
Ah, eu falei de um paladino companheiro, não? Pois um outro colega pós-graduando, que talvez tenha percebido quão fraco eram os argumentos do primeiro, partiu para o famoso direito adquirido de qualquer religião: "... você deve respeitar as idéias do colega, e não pode atacá-lo assim!!! Afinal, vivemos em um país com liberdade de expressão!" (não foram essas as palavras, mas a essência está ai).
Olha como as coisas são, eu nunca ataquei a liberdade de expressão do colega, mas sim quis dar o meu ponto de vista sobre o assunto levantado, afinal, se Pasteur é um bom exemplo de religiosidade, só quis mostrar que Einsten era um bom exemplo de não religiosidade... Mas como vimos, as coisas não funcionam assim quando se trata de religião (mais sobre isso em próximos posts)!
Pensei sinceramente em ser um pouco mais agressivo na resposta, mas decidi encerrar o assunto por ai, afinal, não tinha ainda conseguido chegar em um algoritmo com consumo O(n). Enviei um e-mail particular para o colega religioso, dizendo que a lista não era o local próprio para esse tipo de discussão, algo que ele concordou prontamente (pelo menos).
O que isso deixa de lição? Que a religiosidade de uma pessoa é sim agressiva para o não religioso. O fato de ela estar acostumada a ser "respeitada" é péssimo, e deve ser combatida por nós!
"Se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida." (Anatole France)
Nenhum comentário:
Postar um comentário